A conta bancária do Presidente russo, Vladimir Putin, tornou-se no mais recente campo de batalha da rivalidade que opõe os Estados Unidos e a Europa à Rússia. A emissão de uma reportagem da BBC que acusa o líder russo de ter acumulado uma fortuna pessoal considerável, à custa de vários esquemas de corrupção, lança luz sobre uma sociedade dominada por uma estrutura de poder que já foi descrita como um “Estado-máfia”.
Em si, a investigação da BBC, com o título As riquezas secretas de Putin, não revela nada de inteiramente novo que já não tivesse sido avançado nos últimos anos por opositores do Presidente russo ou por antigos colaboradores caídos em desgraça. Mas, pela primeira vez, um membro da Administração norte-americana acusa directamente Putin de ser corrupto. Adam Szubin, responsável do Departamento do Tesouro para o terrorismo e crimes financeiros, reconheceu que os EUA já sabem há “muitos e muitos anos” das alegadas práticas de enriquecimento ilícito do Presidente russo.
O Kremlin considerou as declarações de Szubin “pura invenção” e exigiu provas concretas de que Putin tenha realmente acumulado uma fortuna abusando dos recursos públicos. A Casa Branca veio reforçar a posição do responsável do Departamento do Tesouro, assegurando que esta reflecte a opinião da Administração Obama.
Sobre Putin – como em muitos outros temas relacionados com a Rússia – somam-se os rumores acerca da sua riqueza pessoal. As estimativas variam entre os 36 mil milhões de euros e os 180 mil milhões – uma quantia que faria do Presidente russo o homem mais rico do mundo, bem acima da fortuna do fundador da Microsoft, Bill Gates, valorizado pela Forbes em 70 mil milhões de euros.
Nenhum destes cálculos é, porém, suportado pela força das provas físicas e inelutáveis. Oficialmente, o homem que tem dominado o aparelho de Estado russo nos últimos 16 anos, e que é visto como um dos mais poderosos do mundo, é alguém de recursos modestos. A declaração de rendimentos de Putin relativa a 2014 mostra que o Presidente recebeu 7,6 milhões de rublos (900 mil euros) em salários, para além de possuir dois apartamentos e um lugar de estacionamento.
No círculo do poder
A crer na riqueza declarada, os cofres pessoais de Putin estão muito longe de proporcionar um “estilo de vida próprio de príncipes sauditas”, como é qualificado na reportagem da BBC. Entre os luxos que rodeiam Putin estão relógios de edição limitada – que um documentário de 2012 da Al-Jaz estimou valerem mais do que o seu rendimento anual –, fatos de treino com tecnologia de ponta, palácios gigantescos e um iate muito especial, oferecido, segundo a estação britânica, pelo empresário e dono do Chelsea, Roman Abramovich.
A crer na riqueza declarada, os cofres pessoais de Putin estão muito longe de proporcionar um “estilo de vida próprio de príncipes sauditas”, como é qualificado na reportagem da BBC. Entre os luxos que rodeiam Putin estão relógios de edição limitada – que um documentário de 2012 da Al-Jaz estimou valerem mais do que o seu rendimento anual –, fatos de treino com tecnologia de ponta, palácios gigantescos e um iate muito especial, oferecido, segundo a estação britânica, pelo empresário e dono do Chelsea, Roman Abramovich.
Um dos episódios mais marcantes em torno de Putin é o do seu alegado palácio no Mar Negro – uma propriedade que, segundo a Reuters, contém uma mansão de estilo clássico italiano, uma pista de helicóptero, um teatro ao ar livre e túneis subterrâneos, rodeados por uma imensa floresta. A construção foi financiada através de um esquema de desvio de dinheiros públicos, segundo Sergei Kolesnikov, um antigo aliado de Putin, que denunciou o caso e actualmente vive na Estónia, onde recebe regularmente jornalistas para dar conta dos abusos do líder russo.
Em 2005, Putin anunciou um grande investimento para equipar 15 hospitais com os melhores materiais do mercado – uma medida amplamente aplaudida num país em que a esperança média de vida estava em queda livre. Kolesnikov foi chamado para servir de intermediário nos negócios de aquisição de equipamento, que seriam financiados por doações privadas. Abramovich foi o primeiro mecenas, com cerca de 186 milhões de euros, de acordo com o relato da jornalista russa Masha Gessen na biografia de Putin The Man Without a Face (2012).
O plano proposto por Putin incluía o “desvio” de 35% do dinheiro acumulado para uma conta no estrangeiro que seria usada para “investimentos na economia russa”, escreve Gessen, que investigou o caso. Havia ainda um “pequeno projecto pessoal” – a mansão no Mar Negro, inicialmente orçamentada em 14 milhões de euros, mas que ultrapassou largamente mil milhões.
Kolesnikov tem, desde então, denunciado o golpe de Putin, mas o Kremlin tem optado por desvalorizá-lo, qualificando o antigo aliado do Presidente como um homem “ressentido” pelo insucesso nos negócios.
Mais do que o gosto de Putin pela orla do Mar Negro, a história do seu palácio mostra a importância do seu círculo íntimo. Entre eles estão os dois intermediários no negócio do palácio. Nikolai Shamalov conheceu Putin ainda durante a época em que o futuro Presidente exercia funções influentes na Câmara Municipal de São Petersburgo. Segundo a Reuters, Katerina, a filha milionária de Putin, casou-se com um dos filhos de Shamalov. O outro intermediário foi Dmitri Gorelov, que nos anos 1990 tinha fundado uma empresa de equipamento médico, em parceria com o Comité para as Relações Externas do Município de São Petersburgo, liderado por… Putin.
É inevitável não notar um traço comum no percurso de alguns dos homens mais poderosos da Rússia – em alguma altura da sua vida tiveram relações pessoais ou de negócios com o Presidente. Desde logo, Gennadi Timchenko (9,8 mil milhões de euros, segundo a Forbes), co-fundador de um clube de judo em São Petersburgo juntamente com Putin e que se tornou dono da exportadora de petróleo com sede na Suíça, Gunvor, na qual Putin terá uma participação considerável. A ligação do Presidente russo a uma das maiores exportadoras petrolíferas do planeta foi sublinhada pelo embaixador dos EUA em Moscovo, John Beyrle, segundo um documento secreto revelado pela Wikileaks, apesar dos desmentidos da empresa.
O judo também uniu Putin aos irmãos Arkadi e Boris Rotenberg. O primeiro é o dono da construtora SGM, um dos maiores parceiros do gigante estatal Gazprom, e ambos têm participações no Banco Rossiya – no seu conjunto, os dois valem 2,7 mil milhões de euros.
Iuri Kovalchuk é o maior accionista do Banco Rossiya, um elemento crucial entre a oligarquia russa que o Departamento do Tesouro dos EUA descreve como o “banco pessoal dos dirigentes da Federação Russa”. Físico de formação, Kovalchuk adquiriu o Banco Rossiya no início dos anos 1990 e rapidamente se estabeleceu junto da elite de São Petersburgo, ou seja, de Vladimir Putin. O novo milénio – e o início da era Putin – viu o banco crescer exponencialmente, fortemente associado à Gazprom – o seu maior cliente.
“Putin confia mais do que ninguém” em Igor Sechin, o presidente da gigante petrolífera Rosneft, de acordo com o analista Mark Galeotti – e talvez por isso a Forbes o tenha colocado entre as 50 personalidades mais poderosas do mundo. Até 2012, quando passou a liderar a empresa, Sechin exerceu vários cargos influentes no Kremlin, incluindo vice-primeiro-ministro durante o período em que Putin era chefe do Executivo.
A aplicação de sanções económicas pelos Estados Unidos e pela União Europeia a muitas destas figuras, na sequência da anexação da Crimeia pela Rússia e da guerra civil ucraniana, mostra que os governos ocidentais partilham a noção de que este grupo tem uma influência forte.
“Estado mafioso”
A lista poderia continuar por vários parágrafos, num sistema que mais se assemelha a um organigrama de uma organização criminosa do que de um Estado. A comparação não é feita por um analista ou por um membro de um lobby anti-Russo, mas sim por José Grinda González, um procurador espanhol que durante uma década investigou as actividades criminosas de gangues russos em Espanha. Num memorando revelado pela Wikileaks, o procurador refere-se à Rússia como um “Estado mafioso virtual”, no qual “não se consegue diferenciar entre as actividades do Governo e dos grupos” de crime organizado.
A lista poderia continuar por vários parágrafos, num sistema que mais se assemelha a um organigrama de uma organização criminosa do que de um Estado. A comparação não é feita por um analista ou por um membro de um lobby anti-Russo, mas sim por José Grinda González, um procurador espanhol que durante uma década investigou as actividades criminosas de gangues russos em Espanha. Num memorando revelado pela Wikileaks, o procurador refere-se à Rússia como um “Estado mafioso virtual”, no qual “não se consegue diferenciar entre as actividades do Governo e dos grupos” de crime organizado.
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